Amanhece. Toma café; primeira refeição do dia. Higiene da manhã. Sai de casa achando estar preparado para o dia que se inicia. Céu aparentemente nublado; nos jornais, poucas pancadas de chuva. É... talvez seja melhor acostumar-se com a ideia de que há de fazer sol. Que assim seja. Vestidos, sentimo-nos dignos de enfrentar a jornada do herói que deve manifestar-se naquele dia. Um mundo cheio de hostilidades, fugas, enfermidades e, ao mesmo tempo, pincelado de tenacidade e perspicácia que nos espera. Olhares se cruzam durante o dia. Provavelmente, entre um e outro, deve haver uma distância de origem que um simples cruzamento não é capaz de decifrar. O que esperar daquele dia? Imprevisibilidade. E se nos depararmos com o amor? E se o amor estiver em alguma esquina? E se o curso da história mudar com apenas um sorriso arrebatador? E se descobrirmos que a corrida da necessidade não é somente a realização pessoal, profissional? E se o amor de seleção desaparecer para o amor da eleição nos encontrar? O Amor tem outro nome. A batalha está travada e os anseios deletérios se iniciam.
Para alguns, entre um amor de tempos, sempre houve um acaso amigo. Entre um casal de apaixonados, deve haver um destino que os uniu desde muito antes. Os dois já se amavam e não sabiam. Se apaixonaram e deixaram acontecer. Mas o Amor tem outro nome. O Amor não é assim, não é amigo do destino. O Amor não cede aos desígnios do acaso, mas chama pelo nome. Assim acontece entre o homem e o Amor – Deus – sempre haverá uma corrida de necessidades: ambos se buscam, embora aquele lute para admitir que Este é a verdade de sua vida.
Poeticamente, contemplamos corações inquietos que se buscam e se anseiam. Mutuamente, se atraem e se desejam. O Amor já conhece o homem. O homem, por sua vez, parece lutar para não conhecer o Amor. Como poderia fazê-lo? Como poderia negá-lo? Da parte de Deus, o desejo de encontrar o seu ininteligível amor, o homem, é imutável. Não vive numa linha desregular, apenas ama. Não mudou desde os primeiros séculos, apenas perdura e eterniza-se no olhar de cada nova experiência.
Da parte divina, o anseio é sempre incorruptível. Desde a Criação, a porta da esperança já havia sido aberta. “Homem e mulher os criou.” Em outras palavras, desejou-os absurdamente. E amou-os, para sempre, até o fim. Manifestou sua aliança com o povo, revelou-os sua justiça de amor. Tudo consumou na Cruz. Não foi indiferente aos que estavam perto. Ressuscitou. Vida nova criada; geração do desejo impresso no coração do homem, e desta vez de forma mais clara, escancarada: Deus ama o homem e deseja-o todos os dias. Não existe espaço para desistências na vida de Deus. Eis o desejo mais genuíno do coração do homem: encontrar o Outro escondido, o tesouro acertado.
E a experiência do homem, pelo contrário, está dividida entre algumas quedas do amor. Caminha em direção a tantos outros que não se assemelham Àquele que tanto deseja. Lê sua vida sob uma ótica pobre demais, pois esquece sua origem e para onde caminha. Melhor dizendo, muitas vezes caminha sem saber fazer uma leitura do coração, pois mergulha num breu de amores parcos. O que há de mais profundo no coração do homem – o desejo de Deus – não desaparece. Ele, pelo contrário, vive a luta para vencer a batalha de fazer desaparecer. Aí, então, cai no profundo perigo de achar que está vivendo de fato. Não... enganou-se.
Bento XVI sobre o encontro minucioso dos desejos que se enlaçam: “Mas não somos só nós, seres humanos, que vivemos inquietos relativamente a Deus. Também o coração de Deus vive inquieto relativamente ao homem. Deus espera-nos. Anda à nossa procura. Também Ele não descansa enquanto não nos tiver encontrado. O coração de Deus vive inquieto, e foi por isso que se pôs a caminho até junto de nós – até Belém, até ao Calvário, de Jerusalém até à Galileia e aos confins do mundo”.
Num processo de “leitura do coração”, o homem passa a viver num exclusivo caminho em que considera necessária apenas a satisfação de seus anseios. Daí em diante, a consequência “nobre” é a capacidade de esquecer-se, pouco a pouco, do genuíno ardor de seu coração. Sim, o desejo imutável de Deus pelo homem permanece. Mas a criatura, pelo contrário, engana-se e passa a admitir outras necessidades como vitais.
Esquecendo-se de sua necessidade primeira, também trai sua consciência. Assim, não é capaz de ver-se necessitado, pois, aparentemente, sua vida está devidamente resolvida. E quando acontece de não estar, os problemas são resolvidos com soluções rápidas, efêmeras, longe o suficiente do desejo de Deus.
Dentro de uma rápida análise, nos damos conta de que não reconhecer-se necessitado é mesmo um grande egoísmo. Se nos encontramos doentes e negamos pedir ajuda, claramente, sabemos que, em outras palavras, mesmo que visto de uma outra forma, é a decisão individual de negar receber a cura. Se existe uma enfermidade a ser tratada e nós nos recusamos a aceitá-la ou não fazemos o mínimo de esforço para considerar o tratamento, soa um egoísmo, sim. Preferencialmente, parece o desejo individual do homem de permanecer doente. Talvez a dor não permaneça, mas a enfermidade continua. Oh! Egoísmo humano que impede o coração de abrir-se à graça para viver o Amor que tem um outro nome.
Mas não devemos esquecer que, embora a linguagem seja egoísta, sua concepção nasce da liberdade, pois foi assim que Deus criou o seu povo. O desejo de Deus pelo homem, ainda que seja imutável, respeita a liberdade humana.
É aí, então, que descemos um pouco mais adiante quando lembramos de uma máxima de Agostinho, que diz: “Cui non datur semper vivere, quid prodest bene vivere?” Sim, de que vale viver bem, se não nos é dado viver para sempre? Portanto, mais vale um coração que se vê necessitado do que um coração que vive na recusa de viver o Amor, achando ser livre. Reconhecer-se necessitado é perder o medo de lançar-se ao chão, consciente de que o chão, a superfície, o plano, está sempre amando-nos de forma incalculável. O chão que pisamos de forma resolutiva – digo, como resposta de nossas inquietações – permanece sempre disposto a nos amar e nos fazer encontrar sentido, pois o chão é largo o suficiente para acolher a nossa indignidade e a nossa insuficiência, e é expansivo o necessário para nos fazer viver mergulhados Nele mesmo.
Noutra ocasião, esclarece Bento XVI: “É preciso desenraizar todas as falsas promessas de infinito que seduzem o homem e o tornam escravo. Para se reencontrar a si mesmo e reassumir a própria identidade verdadeiramente, para viver à altura do próprio ser, o homem deve voltar a reconhecer-se criatura, dependente de Deus. Ao reconhecimento desta dependência – que, no fundo, é a descoberta jubilosa de ser filho de Deus -, está ligada a possibilidade de uma vida deveras livre e plena. Por conseguinte, o ponto fundamental não é eliminar a dependência, que é constitutiva do homem, mas orientá-la para o Único que nos pode tornar verdadeiramente livres”.
Mas, o Amor tem mesmo outro nome. O Amor também é sempre recomeço. E é preciso mais que positivismos e otimismos tolos de que o recomeço em Deus assim também será. O recomeço em Deus tem sempre um ar de esperança, e ela, por sua vez, conduz nosso coração à certeza da pátria. No silêncio do tempo que recomeça, ali está o coração do homem e o coração de Deus que se cruzam numa completude existencial: o sentido de tudo foi descoberto. Nova chance, nova oportunidade, nova luz que se abre, novos horizontes que se expandem.
Entretanto, o Amor é o mesmo e nos dá para sempre a inebriante possibilidade de vivermos uma experiência com Ele mesmo. O Amor não mudou. Sua essência é amar-nos perdidamente. Para nós, cabe entregarmos a mínima razão como investimento para a descoberta do viver amando e dependendo de Deus. Muito mais que a razão, entregarmos o coração e a sinceridade dele, que embora fraqueje e se perca, é para sempre um necessitado. O tesouro escondido está onde o coração também ancorado permanece.
Portanto, esforcemo-nos para que coloquemos a nossa vida e o nosso coração aos pés do Amor como verdadeiros pobres, como verdadeiros necessitados. Admitamos que dependemos de Deus! Larguemos o coração orgulhoso para viver mais com um coração que precisa do Outro. E que a corrida de todos os dias, antes de qualquer outra necessidade, seja a de admitirmos e vivermos a livre consciência de que a maior de todas as urgências do homem será, para sempre, o Amor... Deus.
Por Tatiane Medeiros
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