Um fato interessante me ocorreu estes últimos dias. Inesperadamente, lembrei-me de um episódio antigo, de quando eu ainda estava nos anos de colegial, especificamente no 1° ano do ensino médio. Certo dia, uma professora pediu à minha turma que escrevêssemos como nós pensaríamos viver os próximos anos de estudos, e, de algum modo, descrevêssemos como queríamos fazê-los, planos, ideais... Ainda, nos deixou uma pergunta sobre as nossas relações e levantou o questionamento: “Você é capaz de ser feliz sozinho?”
Naquele momento, depois de respondidas as perguntas anteriores, cheguei à última com certa convicção, achando estar preparada o suficiente para dizer: “Sim. É claro que sou capaz de viver e ser feliz sozinha”. E eu parecia mesmo estar muito convicta e consciente do que estava dizendo, pois, afinal de contas, eu escolheria, em meus planos, viver sozinha, sem precisar contar com a ajuda e a presença dos outros para dar sentido à caminhada.
Acontece que, num passe de compreensão da vida, entendi que isso não seria tão possível quanto eu imaginei. E ainda que fosse, que terrível seria, não? Claro, entender que a amizade e a vida com os irmãos são fundamentais não me custou um curto tempo. Pelo contrário, custou muito tempo, e ainda continua custando. Todas as vezes que vivo uma experiência nova e diferente, ali encontro mais um ensinamento sobre como viver melhor a caminhada com a presença e a amizade dos irmãos.
Viver sem a menor capacidade de dividir os bons e maus momentos com quem se ama torna-se frustrante... como deve ser mesmo terrível não ter alguém para partilhar experiências e nem tampouco alguém com quem podemos nos sentir mais seguros por onde quer que passemos, alguém que nos lembre nossa origem e para onde caminhamos.
O valor das boas amizades carrega uma dimensão fundamental na vida daqueles que decidem seguir o discipulado a Cristo. Não é nem um pouco coerente viver o Evangelho e acreditar que a alma poderá fazê-lo sozinha. Jesus não o fez. Por sinal, caminhou com amigos e escolheu-os, pois sabia da necessidade de estar com eles. E mais, com sua santa providência, encarregou-se de também nos dar amigos e irmãos com quem pudéssemos viver mais esperançosos, porque o rosto do amigo verdadeiro é sempre de esperança. A esperança de errarmos hoje e de continuarmos tentando amanhã; a esperança de acordar, contemplar o horizonte de decidir-se diariamente por Cristo.
Um amigo de verdade conhece o nosso coração, convive conosco, se alegra com nossas alegrias e coloca-se à disposição para chorar as nossas dores. Descobre as verdades mais íntimas do nosso coração e ainda assim não desiste de manter uma relação, porque não leva em consideração as nossas faltas, mas o amor mútuo e o desejo de permanecer; não os sentimentalismos passageiros, mas o amor a confiança baseados no tempo e na construção dele. A beleza do outro, o coração do outro, o testemunho e as experiências do outro são mesmo porta aberta para a descoberta do rosto de Deus que também se manifesta na vida com os irmãos.
E a amizade, sendo ela bem vivida, é um verdadeiro dom de Deus para a humanidade. Nos homens, ainda que plasmados de fragilidades humanas, Deus manifesta o seu coração amigo que se manifesta no coração do seu povo. E, assim, torna possível lembrarmos o quanto somos amados e preferidos por Ele. Por exemplo, Jesus chorou a morte de Lázaro. Poderia muito bem ter lembrado àquelas mulheres o céu de Lázaro, mas não. Chorou com elas.
Sentiu a dor e chorou. Claramente, Jesus nos comunica que Ele sente as nossas dores e chora conosco, como um grande amigo. Um Deus grandioso que se manifesta em majestade, nos dá a certeza do seu olhar generoso para o pobre, o pecador, o miserável. Lázaro era seu amigo! A casa de Lázaro, lembremos, era um lar para Jesus. E quantas vezes o Senhor não se arriscou pelos seus amigos... Morreu pelos seus amigos! Deu a vida pelo seu povo!
Muitas vezes, caímos no engano de pensar: “Coincidentemente, a vida me deu amigos novos que me ensinaram a não caminhar sozinho(a)”. Bobagem! Tolice! Coincidências? A vida? Não! Deus nos elegeu e nos tornou possível viver a dimensão de sermos seus filhos e comungar a filiação com os tantos outros filhos. Por providência, nunca por acaso. O plano salvífico de Deus, e não as coincidências da vida.
E plano salvífico, sim! Pois o bom amigo nos ensina e nos inspira, nas experiências e no convívio diário, a sermos santos. Nos faz lembrar com quem devemos manter uma amizade plena e ininterrupta – com Deus – e podemos aprender o caminho a ser traçado para tal. A presença de um amigo nos faz lembrar quão fecunda é a vida do outro quando nos ensina a olharmos para o eterno enquanto o mundo caminha tão passageiramente.
Quanta beleza! Na natureza da graça de Deus, é um dom espetacularmente gratuito, sim. E na natureza do coração humano, transforma-se num grande mimo celeste. Não um agrado qualquer, uma bajulação repentina, mas um grande presente.
Outro dia, Papa Francisco fez memória à relação paternal entre Deus e Moisés, e ainda fez uma pequena analogia para demonstrar como o Evangelho nos insere na dinâmica do amor mútuo. “Quer dizer: Deus amigo de Moisés! Essa capacidade de lhe confiar tudo, seus planos, o que ia fazer. [...] Ele o disse na Ceia: ‘Já não vos chamo servos, e sim amigos’. O servo não sabe o que vai fazer seu senhor, o amigo sim. Ou seja, conhece os segredos.”
Outra vez, o Papa: “A amizade é um dos maiores presentes que uma pessoa, que um jovem, pode ter e pode oferecer. Como é difícil viver sem amigos! Vejam se não é uma das coisas mais belas que Jesus nos diga: ‘Eu vos chamo amigos, porque vos revelei tudo o que ouvi do meu Pai’ (Jo 15,5). Um dos maiores segredos do cristão é ser amigo, amigo de Jesus”.
Quantos santos e santas também não viveram a amizade e puderam descobrir e viver riquíssimas experiências com o Amor? Os santos também são nossos grandes amigos. E que grandes amigos! Amigos do céu, propriamente dizendo. São faróis que nos apontam Cristo e nos ajudam, com a intercessão de cada um, a voltarmos ao caminho do Amor e nos sentirmos conscientes qual é o caminho que nos assegura Vida.
A dinâmica do coração a coração nos enche de entusiasmo numa amizade; sobretudo, nos enche de Deus. A empolgação quando estamos entre amigos, as risadas, convivências, as partilhas, o dinamismo dos olhares e a delicadeza em comungar das experiências, como tudo isso faz crescer o coração do homem. Entre as diferenças de cada um, o cuidado de Deus em preparar sementes que Ele mesmo fará bonitas e frutuosas plantas de onde nascem sempre frutos esplendorosos. Ao descobrirmos as fragilidades humanas, na cumplicidade e singularidade de uma verdadeira amizade, o amigo permanece, pois anseia dar ao outro a experiência de crescimento e confiança em Deus, de estar em Deus.
No coração do outro, o bom amigo pode ser livre e encontrar a liberdade do Outro, pois a amizade fiel nunca nos deixa esquecer do Amigo que deseja e anseia pelo nosso coração. Encontramos firmeza e segurança, pois caminhamos juntos ao coração terno do Pai.
O dom da amizade é sempre digno de um grandioso louvor. Nunca nos faltam motivos para louvar, aliás. Pois a amizade supõe um caminho de céu, nos dá sempre de Deus quando é verdadeiramente amizade, e esta é uma riqueza capaz de nos proporcionar o sabor da comunhão dos santos. É uma riqueza inextinguível!
É na amizade que descobrimos a beleza de sermos cuidados por um outro, fazendo-nos lembrar de como Cristo sempre cuida e preza por nós e por nosso coração. Tamanha experiência não se explica tão facilmente... somente os tesouros da vida com Deus são capazes de nos fazer encontrar sentido pleno. É tesouro do Céu!
Tenhamos cuidado com o nosso olhar voltado à amizade com Cristo. Muitas vezes, o tratamos como um amigo qualquer. Cristo, o amigo fiel, se arrisca pelos seus amigos, morre por eles, insiste e prefere-os. Quantas vezes também nós não fizemos algo por Ele? Com qual frequência, na verdade, temos vivido a reciprocidade da amizade com o Senhor?
Agora, lembro-me do trecho que ouvi numa homilia há alguns meses: “Quem sai do sepulcro é o morto que agora volta a andar. Isso acontece com os amigos de Jesus: mesmo que morram nesta vida, não morrerão na vida eterna. A promessa do Senhor é para hoje – ‘Vem para fora!’”.
O amor, sendo de dois, precisa ser amado por dois. Inseridos na dinâmica e na beleza do Amor, respondamos a Ele o quanto desejamos manter com Ele uma amizade fiel. E com Ele, também vivermos os tesouros da gratuidade celeste no coração e na vida com os irmãos.
Por Tatiane Medeiros
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