Esta pergunta ecoa e ressoa há séculos, desde a antiguidade, passando pelos filósofos até chegar aos tempos hodiernos: Onde está Deus? Ela se torna mais eloquente em tempos difíceis, quando a humanidade passa por crises. Sejam pessoais ou sociais. Ao experimentarmos períodos de angústias e conflitos, deparamo-nos com nossa fragilidade, como se estivéssemos sem segurança alguma. Daí surgir o questionamento: Onde está Deus em meio a este caos? Por que Ele está deixando tudo isso acontecer? Ao contrário do que muitos pensam, este é o momento em que a nossa fé é posta à prova: somos, ou não, pessoas de fé?
A fé é a certeza daquilo que ainda se espera, a demonstração de realidades que não se veem” (Hb 11,1).
Não precisamos da fé se conseguimos ver, provar, sentir. Isto é, se alcançamos a compreensão de todas coisas. A fé é, exatamente, a confiança em Deus, apesar de tudo. Evidente que necessitamos da razão unida à fé, mas não precisamos de provas para ter fé. Ela é o grande dom que nos faz permanecer firmes no transcorrer da nossa vida, mesmo diante de situações tão desafiantes e, talvez, nunca tão intensas como estamos atravessando neste momento, onde o risco de vida só extenuasse com o passar dos dias, e só nos resta lançarmo-nos em Deus.
Certa vez, uma repórter que, dizia ter acompanhado conflitos, guerras e desastres questionou a um bispo: nessas horas, onde estava Deus? Prontamente, o bispo lhe respondeu: estava lá, a senhora não o viu? Quando alguém foi solidário, salvou a vida de outro que, a partir de então, pôde reconstruir sua vida. Não tenho dúvida que era Deus.
Deus é o sumo bem, sua essência é a bondade e amor. Portanto, não há possibilidade de qualquer mal vir Dele. Não podemos condicionar ao Senhor as consequências de nossas ações, nem atribuir a Ele a culpa dos males que muitas vezes são causados por nossa falta de zelo com a Criação.
Óbvio que Ele vê todas essas coisas... Todavia, Deus não se contradiz, pois quando nos atribuiu o dom da Liberdade foi para que usássemos. Dando-a, não nos rouba! Tirá-la de nós seria como se tivesse cometido um erro. Hipótese contrastante com a essência de Deus, que é sempre infalibilidade. Na verdade, o que precisamos é condicionar a nossa liberdade a Deus, na certeza que tudo o que Ele faz é bom. Mesmo que aparentemente difícil seja, confiamo-nos a Ele, perpetuamente fiel, atento às nossas súplicas.
Vamos trazer à memória a passagem da tempestade acalmada por Jesus. Com os discípulos no barco, deu-se um grande temporal. Todos começaram a entrar em pânico diante da situação, ainda mais por, nesta hora, Jesus repousar tranquilamente. Com certeza, os discípulos questionavam como o Senhor poderia estar dormindo diante de uma situação tão aterrorizante para eles, assim como, nós quando nos encontramos em tempos difíceis. Parece-nos que o Senhor está dormindo desatento a tais situações. Repetimos, talvez, as expressões dos apóstolos: “Mestre, não te importa que pereçamos?”[1]
Jesus levanta-se e ordena que a tempestade se cale, e tudo se acalma. Então, Jesus questiona: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?”. [2] Você poderia até dizer: Senhor, sem você, não conseguimos. Contudo, Ele estava no barco; aliás, Ele continua no barco. Parece que não está se importando muito com o que está acontecendo, pois dorme, entretanto, a fé nos garante: Ele está no meio de nós. Mantenhamo-nos serenos, como o Senhor. Não falo de não termos medo, pois, isso é humano, mas não perdermos, com o medo, a capacidade da confiança em Deus.
Recordemos as palavras do Papa Francisco na benção extraordinária Urbi et orbi, em março do corrente ano: “Com Ele a bordo, experimentaremos – como os discípulos – que não há naufrágio. Porque esta é a força de Deus: fazer resultar em bem tudo o que nos acontece, mesmo as coisas ruins. Ele serena as nossas tempestades, porque, com Deus, a vida não morre jamais”.[3]
É necessário nos apoiarmos com a nossa fé e confiança e não termos receio de gritarmos continuamente por sua presença. Lembrando, ainda, as palavras do Papa Bento XVI em uma visita ao campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia, admoestando-nos a robustecer a nossa fé, sobretudo nos períodos mais difíceis, amparado no canto do salmo 44: “Desperta, Senhor, por que dormes? Desperta e não nos rejeites para sempre! Por que escondes a tua face e te esqueces da nossa miséria e tribulação? A nossa alma está prostrada no pó, e o nosso corpo colado à terra. Levanta-te! Vem em nosso auxílio; salva-nos, pela tua bondade!"
E nos exorta, mais uma vez, o Papa emérito: “o nosso grito a Deus deve ao mesmo tempo ser um grito que penetra o nosso próprio coração, para que desperte em nós a presença escondida de Deus para que aquele seu poder que Ele depositou nos nossos corações não seja coberto e sufocado em nós”. [4]
Não permitamos que as intempéries, as circunstâncias em que vivemos – tão desafiantes e dolorosas – abafem, em nós, a fé que recebemos de Deus, garantia de permanecermos firmes e confiantes. Mesmo quando tudo pareça está se desfazendo, confiemos: o Senhor há de exclamar: CALA-TE! Tudo encontra calmaria. Não importa quanto tempo demore, quantas coisas enfrentaremos, sustentemo-nos firmes e respondamos seguramente convencidos de onde Deus está: ELE ESTÁ NO MEIO DE NÓS!
Para encerrar, uma música de padre Zezinho que sempre vem ao meu coração e pensamento nessas horas, nesses tempos exigentes: E quando se acabarem as palavras / E quando não deu certo o que era humano / E quando se esgotarem os recursos / E já não adiantar nenhum discurso / E quando eu tiver feito o que é possível / E quando fazer mais for impossível / Então descansarei bem mais tranquilo / Então meu coração se lembrará / Confia no Senhor / Confia no Senhor / Procura o ombro dele que ele é Pai / Confia no Senhor / Confia no Senhor / Se não conseguiste / Deus conseguirá.
[1] Marcos 4, 40.
[2] Idem.
[3] Papa Francisco, Homilia em 27 de março de 2020.
[4] Papa Bento XVI, Discurso em 28 de maio de 2006
Por Alan Jones Vilar
Comments