Você certamente deve lembrar de algum período definido como crítico em toda a sua história, não? Chutarei uma crise financeira, aos casados uma crise no matrimônio, a superação de uma morte ou até um caso de doença na família. São exemplos para que você dimensione alguma situação que enfrentou determinada como desafiadora, difícil, desesperadora, enfim. Muito provavelmente você lembra que existiu alguma pessoa que te olhou e disse: “confie em Deus que as coisas tomam jeito”, “tenha fé e espere em Deus que tudo vai dar certo” e você nem entendeu o sentido profundo disso tudo.
Comumente as pessoas falam isso, né? Pois bem... O sentido amplo e profundo de confiar em Deus é, na verdade, um compromisso e um requisito para que entendamos que o dedo de Deus tudo renova e tudo refaz, por isso não é uma exortação vazia. Já pararam pra pensar que, involuntariamente, estão nutrindo a convicção de que só Deus é bom, a certeza e o tesouro de nossas vidas?
Poderia continuar falando em alguns parágrafos que, sim, confiar em Deus é a melhor de todas as soluções. E caso eu enchesse as linhas de benefícios, acabaria esquecendo de um detalhe indispensável para que vocês compreendam tudo. Tenho de dizer que não, não é tão fácil confiarmos em Deus, não é tão fácil mantermos o nosso coração fixo em suas vontades, não é tão fácil nos desprendermos de nós mesmos para dar espaço à Voz. Não é tão fácil. E tudo isso porque arrancar as nossas máscaras, arrancar o véu que nos impede de sair de nós mesmos, arrancar os tapa olhos que param no nosso ego não é bom, nos pede para sairmos do centro.
Mas eis que sair da comodidade, da segurança vazia, do círculo que nos põe no centro, esta é uma reluta em vista do esforço. Devo enfatizar o esforço em ao menos desejarmos... Escutei numa pregação e nem ouso esquecer: “Deus abençoa o esforço da busca”. E isso é impulso para o amor.
Se é mesmo muito bom confiarmos em Deus e ao mesmo tempo difícil, qual caminho devemos percorrer, quais trilhos seguir, quais passos dar? Bom, um coração que confia é sinônimo de um coração que se entrega, se abandona e se lança mesmo com medo. Podemos compreender que toda a relação de confiança nos aproxima da expressividade do amor. Quem conhece a pessoa amada, ama, e quem ama confia, sem titubear.
Quando falo que sairmos de nós mesmos é difícil, faço memória a algo que acontece bastante. Estamos sempre pensando no poder do eu. O pronome aqui vai assumindo uma forma incontrolável. Sempre somos nós que podemos, que conseguimos, que damos conta, que sabemos, que temos certeza, que damos passos sozinhos... Encher-se de si mesmo é bom, mas por hora. Nos enche de um ego absurdo e nos leva a abrir a tampa da garrafa e perceber que não existe conteúdo, mas um grande vazio.
Até quando colocaremos véus, tapa olhos ou veremos por brechas aquilo que Deus quer fazer em nossos corações? Até quando daremos desculpas de que ainda não é tempo de nos abrirmos por completo à Ação? Vamos continuar esperando até quando para dizer com todo o entendimento que nossa vida pertence por completo ao Senhor, que mesmo com medo queremos confiar? O hoje de Deus nos chama e nos atrai.
Confiarmos em nós mesmos é tão somente cair em nossa miséria e em nosso abismo. Mas o Senhor vem encontrar nossos abismos e nos enlaçar por pura gratuidade. Afinal de contas, eis nosso maior exemplo e certeza de que o amor não é interesse, e enquanto for, talvez não exista compreensão certa do que é o amor. Papa Francisco nos alertou, há poucos dias, sobre a certeza de que rejeitarmos a gratuidade do Senhor é um grande pecado. De maneira tão gratuita Deus confere seus desígnios a nós... Que belíssimo encontro entre miséria e misericórdia!
Se a cada dia o abandono ao Pai guiar as nossas vidas, nossas crises, nossos medos, nossas tensões e desilusões, com certeza existirá um leve peso. Por fim entenderemos o que é a perfeita liberdade diante da vida.
Quanto mais abandonados, mais livres seremos a partir como Abraão quando abraçou o desconhecido e somente confiou. Mais despojados aos mistérios de Deus como Maria, que em seu silêncio apenas confia, se entrega e se abandona. Estaremos mais entregues a lançar as redes como Pedro, a abraçar a árdua missão como Teresa de Calcutá, como São Padre Pio, São Paulo e todos os santos. Todos nós, batizados, vocacionados à santidade, temos o hoje de Deus para refletirmos a vida numa profunda experiência de confiança cega. Entenderemos, então, que só Deus basta, e isso é suficiente para as nossas vidas.
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